Habitualidade

junho 07, 2020



Não sabíamos o que fazer, eu estava em casa com minha irmã, meus pais foram ao mercado e o relógio marcava 22h28 , exatas 4 horas desde que saíram. Engraçado, pois quando falam que vão ao mercado, voltam em menos de 3 horas, superprotetores que são, sempre estão nos vigiando, e eu gosto disso, desse zelo, preocupação, amor. Estava uma noite agradável, o verão aqui é bom, não é quente e abafado como nas outras partes do pais. Decidi fazer uma pipoca doce pois é uma das poucas comidas rápidas que sei fazer, se é que posso considerar como comida, e não demora 5 minutos. Disse para minha irmã ligar a tv e colocar em um filme na Netflix, qualquer filme, desde que seja lançamento. Ela colocou. Liguei para uns amigos, que são meus vizinhos e disse para virem aqui assistir conosco enquanto meus pais não chegam. Dez minutos após o telefonema, eles bateram na porta. Sim, gosto de ligar ao invés de mandar mensagem, acho que as pessoas de hoje falam pouco e só ficam digitando, um modo que faço com que isso não me afeta é ligando sempre que preciso de algo ao invés de mandar mensagem, a conversa flui, surge assuntos que nem pensaríamos se estivéssemos apenas digitando e quando vemos já se passaram horas e eu gosto disso, gosto dessa sensação, gosto de sentir que estou vivo, que estou aqui e agora, gosto dessa sensação de pertencimento, de carinho, de atenção. No começo quando eu disse que não mandaria mais mensagem para ninguém, meus amigos e minha família acharam uma loucura, inventaram um monte de argumentos sem fundamentos. A única pessoa que gostou da ideia foi minha vó, ela disse que assim poderia me escutar e imaginar que estaria do seu lado, mesmo distante. Meus pais estavam na sala no exato momento em que ela me disse isso, sentada na cadeira de balanço que tinha comprado junto com meu avô quando iam se casar, 50 anos atrás. A cadeira está impecável. Antes do meu avô falecer, uma vez por semana ele a lustrava com uma cera, por isso ela está impecável até hoje. Ano passado, após um dia normal, meus avós foram dormir e só minha avó acordou. Eles moravam sozinhos. A primeira pessoa que minha vó ligou foi eu e disse para eu correr para lá pois tinha algo de errado com meu avô. No caminho liguei para a ambulância. O tom de voz da minha vó era um tom triste e eu já pressentia algo de ruim. Não vou entrar muito no assunto, mas os médicos disseram que ele se foi como um passarinho. Uma morte tranquila e que não sentiu nada. Após esse acontecimento minha avó veio morar conosco e trouxe sua cadeira. Agora todo dia eu a lustro e mesmo morando juntos ela faz questão de me ligar toda manhã para me perguntar o que eu vou fazer e me desejar um ótimo dia. Eu já era muito próximo dela, na verdade eu e minha irmã crescemos naquela casa, a que ela morava antes, mas agora estamos bem mais próximos. Valorizamos cada dia, cada nascer e pôr do sol, cada ar respirado, cada sopro do vento, cada pássaro que canta na arvore de maça no quintal, agradecemos por tudo. A história dessa arvore é boa, vou contar para vocês. Em um final de semana antes do natal meus avós vieram passar esses dias conosco. Nossa casa tinha um quarto extra que agora é ocupado pela minha avó. Quando eles chegaram, após horas viajando de ônibus, eles nos disseram que estava passando um filme no ônibus, nessas tvs que tem sabe e que no filme, o casal, personagens principais tinham uma macieira que dava frutos incríveis e que tudo de bom acontecia na vida deles. Eles insistiram que na nossa casa também deveria ter uma e naquele dia compramos uma muda. Agora ela está grande e já está dando maças. Minha avó vem toda manhã cuidar do pé. A adubação, rega, colheita, tudo é ela que faz. Ela diz que faz bem e nós acreditamos nisso. É a sua razão de viver. Meu avô chegou a ver a macieira dar frutos, mas não ficou muito tempo para poder apreciar melhor. Eles sentavam embaixo do pé sempre que vinham nos visitar. Não sei se o meu avô é um dos motivos dela fazer isso, mas se for, que bom que ela está ocupando a cabeça e está feliz que é o mais importante. Fui atender a porta, eram meus amigos e eles trouxeram um balde de batatas. Convidei para entrar, eles cumprimentaram minha irmã. Disse para ficar à vontade enquanto fui pegar uma jarra com suco de maça. Aqui em casa, fazemos tudo com maça, desde torta, geleia, sucos, até a comida mais diferente. Levei para eles e colocamos no filme. Não estávamos conseguindo entrar em um acordo na escolha do filme. Imagina, 5 pessoas, cada uma querendo um, estilos diferentes. Então fechamos os olhos, minha irmã com o controle na mão, apertou até cair em um aleatório, era aquele, nenhum outro filme, aquele. Vimos o filme, uma hora e meia, puro romance, nós cinco chorando, uma cena icônica, mas é uma cena frequente que sempre ocorre. Não ligo de chorar, até porque o choro alivia, o choro liberta, o choro é puro, ingênuo, não vê maldade, não vê barreira. É um dos momentos que também reflito e percebo que minha vida é a que eu deveria ter. Nada mais e nada menos. Essa é a minha vida e eu farei de tudo para que ela continue assim, do jeito que tá. Simples, com pessoas que amo, fazendo coisas que gosto e principalmente sendo eu mesmo. 

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